29.12.06

Um Gordo Cego e Safado

É sempre bom começar se defendendo: nada contra os gordos, cegos ou safados. Agora, seguimos em paz...

Ninguém é safado a vida inteira, geralmente, só se é safado às vezes. E há momentos propícios para expor essa qualidade. Ontem, ou na madrugada do dia 29 de dezembro, o apresentador Jô Soares escancarou sua safadeza e sua cegueira para milhares de brasileiros e brasileiras. E pode se dizer que não foi premeditado.

Há um bom tempo seu programa é formado por três blocos de entrevistas. Mas, agora, uma pessoa/personagem usa dois deles, geralmente o que Jô, que também assina a produção, julga ser o mais importante (antigamente eram três entrevistados, um para cada bloco, raramente mudava). Prometo não falar em audiência. Eu sei que deveria, mas Jô, o mesmo que vez por outra usa seu nobre espaço para falar de política, nos especiais “as meninas do Jô”, não pode ser analisado por esse ângulo. Afinal, ele é, sim, um dos intelectuais de nosso pobre país.

Pois bem, voltando ao que interessa, no programa que citei havia duas personalidades a serem entrevistadas: um rapaz chamado Russo e um senhor chamado Affonso Romano de Santanna. O rapaz é um músico que toca violão e pandeiro (com o pé direito), ao mesmo tempo, e as canções que ele toca são covers de grupos estrangeiros antigos. Sua maior virtude é cantar/imitar a Janis Joplin e Louis Armstrong. O senhor, outra personalidade, é um ensaísta e poeta (as outras descrições virão depois).

Exercício de criança: se você fosse o José Soares, vulgo Jô, quem você escalaria para usar seus dois blocos, ou os seus blocos mais importantes? Um músico que imita outros músicos (Russo) ou um poeta/ensaísta (Affonso Romano de Santtanna)?

Se você optou pelo Russo desista agora do texto. Por favor, não quero ser estúpido e mandá-lo à merda por tabela.

É inacreditável, mas Jô, o mesmo que gosta de debater sobre política nacional com suas “meninas”, optou por Russo (se fosse o Renato, beleza). Russo é entretenimento dos mais baratos, apenas imita e cantarola canções de outras pessoas. Goza com o pau dos outros, e só. Não produz uma arte decente, apenas a de imitar. Agora Affonso Romano de Santtanna, não. Esse é poeta (coisa rara). Aliás, a poesia, que nunca morrerá (mas a cada dia parece estar mais agonizante aos olhos do povo), está nesse estado exatamente por causa do Jô, e quando falo Jô, falo e reclamo à Tv, maior meio de massa de nosso tempo.

Jô aplaudia e ria fascinado depois de cada canção cover de Russo. E ao final da entrevista veio aquele “ahhhhhh” da platéia, amestrada a pão e água pelo redondo apresentador/escritor/humorista. Ficaram tristes por que o Russo tinha de ir. Foi, realmente, triste.

Chegou à vez de Affonso Romano de Santtanna. O poeta disse que poesia faz bem à uma da madrugada e leu três poemas fantásticos sobre sombras (do seu recente livro O Homem e Sua Sombra), e também debateu sobre um tema atualíssimo, a cegueira. Tudo isso em torno de dez a quinze minutos. Em um momento da curta entrevista, sentindo-se inferiorizado, Jô Soares apenas se contentava, não a perguntar sobre algo, mas a retrucar. E foi quando Santanna falava sobre o livro de Saramago “Ensaio Sobre a Cegueira”, que Jô, quase um Papai de Noel de terno, falou: “o Saramago é muito ranzinza”. E você sabe por que ele acha isso? Por que Saramago defende a tese que existe uma poluição informativa (não é esse o termo) hoje em dia, ou seja, um excesso de informações que os meios nos jogam diariamente. Vê-se demais e se absorve de menos, na verdade, nem o próprio meio absorve, ele cospe. Santanna (de mãos dadas a Saramago, prêmio Nobel) falou o óbvio. Tão óbvio como toda poesia que nos cerca, e que só um artista como ele vê. Só que Jô, de óculos sempre, mesmo assim insiste em não ver. A entrevista de poucas perguntas da parte do apresentador chegou ao fim, e nenhum “ahhh” se ouviu da platéia. Triste, muito triste.

Antes, até pouco tempo atrás, era a “Anistia Geral” que bradavam pelas ruas, agora, imploramos pela “Anestesia Geral”, mesmo sem saber. Políticos, violência, arte. Não sentimos nada. Apenas retrucamos junto a platéia num “ahhhh” abissal. Esse “ahhh” é uma pena, em todo o sentido que a palavra pena possa ter. Eu poderia, e deveria, ficar muito preocupado com isso. Mas o Brasil, pelo menos o meu, o Brasil que eu respiro, não merece qualquer preocupação. Se merecesse Jô levaria, depois dessa, no mínimo, uma surra.